segunda-feira, 20 de junho de 2011

Somos feitos de espaços internos, gavetas disto, compartimentos daquilo. Algum espaços arquivam, outros selecionam, alguns explodem e outros acumulam. Ontem, transbordei aqui do lado direito. Desde cedo tentei conter um vazamento que escorria pelos olhos, mas que só foi reparado em outro lugar. Temporariamente.
No meu almoxarifado já guardei inutilidades que costumam saltar de sua pratileira tentando invadir espaços que não lhe cabem. Vez ou outra consigo tomá-las pelas mãos e rasgá-las em mil pedaços. Quando não consigo jogar tais inutilidades fora, nesta condição de retalhos é possível colocá-las em um processo de reciclagem. O que não é ideal, mas serve.
O mais misterioso dos espaços internos é aquele que não comporta nada. Não se sabe onde ele fica, constuma ser discreto mas quando invade o corpo, se espalha como um buraco negro ( mesmo se na minha concepção ele é branco).
Em um dia qualquer, enquanto observo a família se alimentar e comentar as banalidades do dia, sou sugada por um vácuo que encurta minha respiração. É o espaço vazio que me ocupa. Começo a sintir uma falta descabida, descontrolada, desatinada. Mas falta do que, se não existe nada ali? Vazio mesmo não tem vocação para se preenchido. Se tiver alguma coisa pra guardar, vai pra outro setor, ali não cabe. É o que tem mais vagas de todos os espaços internos, porém, não recolhe nada nem ninguém. No começo tentei a todo custo preencher esta gaveta que tantas vezes insistia em abrir assim, vazia, achatada. Por momentos pensei ter conseguido entupir de medos e culpas e até consegui trancá-la. Mas quando menos podia esperar ela se abria, muda, branca, limpa, vazia.



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Receita Espiritual



"Quanto mais profundo você for em você mesmo, mais universal você se torna, e isso é realmente verdade. Não se pode falar daquilo que não se sabe, a única coisa que você realmente sabe é sua experiência". (Marina Abramovic, folha de São Paulo, 2006).

My life

       A arte de Isadora Duncan é sua guia. A dança conduz sua vida e sua alma. Nem a fama, nem o dinheiro, nem a família, nada é tão importante quanto sua necessidade de dançar e transmitir sua arte. Isadora oscila entre o êxtase da criação e o sofrimento de ser, estar e dever cumprir sua missão. 
Quando leio sua autobiografia e penso em sua capacidade de coexistir enquanto mulher e artista, não penso somente que Isadora é um ser à frente do seu tempo; sua emancipação é válida ainda nos dias de hoje.





"Não há nada de novo no morrer, mas o que há de novo no viver?" 
(Isadora Dunan, Ma vie, 1927, réédition, Folio-Gallimard, 1987)
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"A volúpia que o invade exige escuridão. Essa escuridão é pura, absoluta, sem imagens nem visões, essa escuridão não tem fim nem fronteiras, essa escuridão é o infinito que cada um de nós traz dentro de si. (Sim, se alguém procura o infinito, basta fechar os olhos!)" (A insustentável leveza do ser, Milan Kundera, p.100)
Nós somos feitos "D' eus".

 

Ensaio para personagem do signo de gêmeos


Um eu de mim é o maioral,
Dá as cartas e começa o jogo.

Lança, rebate, briga, explica, mente.

O outro eu começa calado.
Ensaia um manifesto mas desiste por hora.

O primeiro é insistente, fominha, persuasivo, prepotente.
O outro chega de mansinho, é timido.
Mas anda no ritmo.
Sensual.

Um eu é uma fraude, um político com medo de ser desmascarado.
O outro é generoso, paciente, sonhador.

Um eu, burocrata,
Tirano.
Um outro
subversivo, 
Louco,
Insaciável.

Um controla o tempo,
O outro se esparrama nele,
Um duvida, repete, é surdo.
O outro desenha, rabisca, rasga, cola.

O primeiro é desastrado, esquecido,
Se machuca,
Fere os outros,
Não se dá conta.

O segundo é gentil,
Sorri,
É simples,
Nobre,
Sem vergonha,
Não tem medo.

Um é morto-vivo,
O outro está sonhando.

Em realidade,
O eu tirano nada mais é do que inseguro.
O eu sonhador é imaturo.

Porém, vimos dias como este onde os dois eus resolvem conversar. 
O primeiro tira o nó da gravata.
O segundo dança livremente.
Fumam cigarro.

Mas logo
Aquele que é ambicioso e dominador
Tira o mais frágil da cena.
Sofrem partidos cada qual do seu lado.
Um frenético, paranóico, exausto.
O outro mudo, vazio esperando sua hora de poder voltar.